S E N T E N Ç A
I. RELATÓRIO
Em que pese a
possibilidade de dispensa de relatório, ante o disposto no art. 38 da Lei
9.099/95, aplicável à hipótese em face do contido no art. 1o da
Lei 10.259/01, breve relato se faz necessário.
Trata-se de ação
especial cível proposta em desfavor do Conselho Regional de Administração –
CRA, na qual o autor requer indenização por danos morais, em virtude de
suposta agressão sofrida nas dependências do réu.
O CRA apresentou
defesa suscitando as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam e inépcia da petição
inicial, pugnando, em suma, no mérito, pelo indeferimento do pedido do
autor.
Foi realizada
audiência de instrução e julgamento, para produção de prova oral, seguindo
o processo concluso para sentença.
II. FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARES
Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam
O CRA argúi a
preliminar de ilegitimidade passiva ad
causam, sob o argumento de que o suposto ato teria sido praticado pelo
Presidente da Comissão Eleitoral das eleições a serem realizadas no CRA,
devendo somente ser analisada a conduta deste, não havendo que se falar em
responsabilidade do conselho pelo caso.
Afasto a
preliminar levantada pelo réu. É que o suposto fato aconteceu nas
dependências do CRA, por pessoa que era Presidente da Comissão Eleitoral,
no momento em que exercia tal cargo; desta forma, patente a legitimidade do
conselho para figurar no pólo passivo da lide. Saber se há a
responsabilização do réu, ou não, é matéria que se confunde com o mérito da
causa, razão pelo qual somente lá será enfrentado. Rejeitada, portanto,
esta preliminar.
Preliminar de inépcia da inicial
Sob o argumento
de que não há causa de pedir, o réu suscita a preliminar de inépcia da
inicial, pois não haveria provas de qual dano moral o autor sofreu. Ora,
saber se houve ou não danos morais, mais uma vez, é alegar em preliminar
matéria de mérito.
Da simples
leitura da inicial vê-se claramente que há sim causa de pedir e, tanto é
assim, que o réu conseguiu a contento apresentar sua defesa de mérito, em
nada sendo esta prejudicada por inépcia da inicial.
Assim, refuto,
também, a presente preliminar e passo ao mérito.
MÉRITO
Breve análise dos
fatos se faz necessária.
Estava em curso o
processo eleitoral no ano de 2010 para a direção do Conselho Regional de
Administração – CRA. O autor era um dos candidatos inscritos na chapa da
oposição. O Conselho Federal da classe disponibilizava para as chapas etiquetas
com o nome dos administradores inscritos, como uma mala direta; entretanto,
estas etiquetas somente poderiam ser impressas na sede do conselho, por
questões de segurança.
O autor,
juntamente com outras pessoas, dirigiu-se, então, à sede da ré para que
imprimisse tais etiquetas.
Até este momento
não há divergências entre as partes. Tanto o depoimento pessoal do autor,
como do representante da ré, quanto de suas respectivas testemunhas
confirmam estes fatos.
A partir daí
começam as divergências.
Ambas as partes
confirmam que houve uma forte discussão entre o autor, sr. Marcos Leite, e
o então Presidente da Comissão Eleitoral, sr. Mauri Vieira Costa. O que
diverge entre as versões apresentadas é se houve, ou não, a alegada
agressão física deste contra aquele.
A prova oral
produzida em audiência é diametralmente oposta.
Antes de
adentrar, então, na análise da existência ou não do fato, mais alguns
esclarecimentos são necessários.
O réu chegou a
pedir no processo a suspensão deste até a finalização do processo criminal
em curso, após a lavratura de TCO por parte do autor. Entendo desnecessária
esta medida.
Primeiro, porque
as instâncias são independentes, como bem se sabe. Não se faz necessária a
existência de crime para se perquirir se há direito à indenização. As
esferas cível e criminal não são dependentes uma da outra. Segundo, porque
como no caso a responsabilidade é objetiva, desnecessário averiguar se
houve culpa ou não do agressor. O conselho será responsabilizado se restar
devidamente comprovados a conduta, o dano e o nexo causal entre um e outro.
Não se averiguará, como dito, culpa alguma no presente processo. Mais um
motivo para não se esperar o desfecho na esfera criminal.
[...] Texto
suprimido.
Tais documentos
foram vistos por este juiz, bem como disponibilizados ao advogado do autor.
Entendendo que esta documentação em nada alteraria o curso do processo
quanto ao seu mérito, foi dito ao advogado do réu que seria desnecessária a
sua anexação, mas que ficaria a seu critério tal juntada. Até o momento não
foram anexados tais documentos, mas isso em nada impede a análise meritória
da lide.
O que acontece no
presente caso é que se quis trazer a este processo demandas ainda atinentes
ao processo eleitoral pelo qual passou o CRA no ano passado. Na própria
audiência, mais de uma vez, as partes foram alertadas que o que aqui se
discute é responsabilidade civil, e não o que acontece ou aconteceu no
Conselho e sua direção, ou com o autor em sua atividade profissional.
Por fim, como última
análise prévia, ambos os advogados contraditaram as testemunhas das partes
adversas, por óbvio. Entretanto, refuto esta contradita. É que como o fato
ocorreu nas dependências do CRA, nas quais somente estavam lá os
diretamente interessados na disputa política que ali se desenvolvia e
ligados a cada uma das chapas, caso não fossem aceitas as testemunhas
apresentadas não haveria como se ouvir ninguém. E não seria produzida,
consequentemente, prova oral.
Passemos, então,
ao fato em si.
Além da prova testemunhal,
que adiante será melhor analisada, as demais provas de que se houve ou não
agressão física por parte do sr. Mauri restringem-se a boletins policiais,
tanto da Polícia Civil, quanto da Polícia Militar, além de laudo
traumatológico do Instituto de Medicina Legal – IML.
Tirante isso, a
prova produzida de ambas os lados foi oral. De um lado, tem-se a narrativa
detalhada do autor, bastante pormenorizada, bem como a de sua testemunha.
De outro, a palavra do representante da ré, e de sua testemunha, que negam
qualquer tipo de agressão física.
Considerando a
questão de a prova decisiva ser oral, verifico que seria ingênuo supor que
um agressor, ou alguém que o represente ou intimamente ligado a ele,
admitisse o fato, pois seria uma confissão de ilícito penal, administrativo
e civil.
Por outro lado,
temerário seguir cegamente somente as alegações do autor.
Dessa delicada
situação, coloco a maior objetividade possível nos fatos narrados pelas
partes para acolher ao menos em parte o pedido do autor.
Em que pese ter
considerado como testemunhas as duas pessoas ouvidas, entendo que se faz
necessário ponderar o interesse que cada um tem/teria na causa a fim de que
se leve em consideração, ou não, o que cada uma disse, qualificando a
prova.
Antes que se faça
a digressão a seguir, necessário dizer, mais uma vez, que não se está
analisando o pleito eleitoral ocorrido naquele conselho, mas tão somente a
responsabilidade civil pelos fatos ocorridos. Mas, ainda assim, breve
análise da eleição e das pessoas envolvidas no pleito é de bom alvitre
fazer, para que se entenda o porquê de não se dar crédito às palavras da
testemunha do réu.
O representante
do réu, sr. Robert Frederic Mocock, o então Presidente da Comissão Eleitora
do CRA, sr. Mauri Vieira Costa e a testemunha do réu, sr. Jael Cavalcanti
Costa, estão a frente do CRA há anos, bem como do Sindicato dos
Administradores e da Casa do Administrador, que embora sequer seja esta
entidade com personalidade própria, faz parte do mesmo prédio, estando
todas interligadas.
Eles se revezam
numa e noutra instituição das citadas. Tanto que o sr. Mauri era o
Presidente do CRA, licenciado. Na Presidência estava o sr. Jael, que nomeou
Mauri para Presidente da Comissão Eleitoral, como o mesmo afirmou em
audiência. Com a eleição da chapa da situação, novamente o sr. Mauri foi
reconduzido à Presidência, e mais uma vez se licenciou, sendo hoje o
presidente em exercício o sr. Robert.
Com isso se quis
demonstrar que o testemunho do sr. Jael está sobremaneira prejudicado,
visto a sua simbiótica ligação com os demais envolvidos no fato.
Já não fosse este
dado objetivo suficiente para esta conclusão, em audiência, o sr. Jael
confirmou que o clima ficou tenso porque nunca eles enfrentaram oposição e
que havia um clima ruim na eleição por conta de que a outra chapa tinha
receio de que fosse prejudicada, justamente porque quem fazia parte de todo
o processo eleitoral, inclusive na presidência da comissão, era o grupo do
qual faziam parte, Mauri, Robert e Jael, dentre outros. Em certa passagem
do seu testemunho chegou a dizer o sr. Jael que “nós ganhamos”,
referindo-se a Robert, ele próprio e a Mauri. Mais do que explicado porque
não se pode dar crédito a suas palavras.
E mais um detalhe
chamou atenção. O sr. Jael, em que pese a sua experiência, tanto pela sua
idade, como pela quantidade de cargos administrativos que já desempenhou no
CRA, aparentou, claramente, grande nervosismo quando perguntado sobre os
detalhes da agressão desferida pelo sr. Mauri contra o autor. Até mesmo com
as mãos trêmulas ficou. Ora, se de pessoas humildes que aqui vêm buscar
benefícios previdenciários é de se esperar certo nervosismo, o mesmo não se
diga da testemunha do réu, ainda mais se veio para falar a verdade.
Não se pode nem
afirmar que outras testemunhas deveriam ter sido ouvidas. É que o CRA
trouxe como testemunhas o sr. Mauri, autor do fato, e um outro que foi
nominado apenas como Neto na sala de audiência, mas que é genro do sr.
Mauri. Por motivos óbvios nenhum dos dois serviria como testemunha.
Por outro lado, o
depoimento pessoal do autor foi rico em detalhes do que aconteceu, como bem
se pode observar dos áudios anexados ao processo. Sua testemunha foi
coerente com as informações prestadas e não existia entre ela e o autor a
ligação pessoal tão intrínseca como entre o CRA e a sua testemunha.
Além dessas
ponderações quanto à prova oral produzida em audiência, necessário
salientar, mas de não menos importância, que o laudo traumatológico do IML
confirmou que o autor, embora de pequena monta, apresentava sinais de que
instrumento contundente lhe acertara o lábio inferior, provocando
escoriações.
Além do que,
seria surreal pensar que o próprio autor teria desferido golpe contra ele
mesmo, além de acionar as duas polícias por um fato que não teria
acontecido.
Como o fato da
agressão ocorreu nas dependências do CRA, através do Presidente da Comissão
Eleitoral no exercício de sua função, concluo que há a responsabilidade
objetiva do réu em responder pelo dano moral ocasionado ao autor.
Estão presentes a
conduta (a agressão), o dano moral e o nexo de causalidade entre um e
outro.
O dano moral não
precisa ser materialmente verificado, pois se não deixaria de ser dano
moral e tudo se resolveria pelo dano material. É óbvio que agressões físicas
sofridas durante um processo eleitoral, e mais, produzidas pelo Presidente
da Comissão Eleitoral na sede do conselho é motivo mais do que suficiente
para a ocorrência de dano de tal monta.
Pois bem.
Presentes os elementos que ensejam a responsabilização do réu, necessário
apurar-se o quantum devido a
título de danos morais.
[...] Texto
suprimido.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE
PROCEDENTE, o pedido, condenando o CRA a pagar ao autor o valor de
[...] (Texto suprimido) a título de indenização por danos morais, mais juros de mora
de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária nos termos do Manual de
Cálculos do CJF.
Sem custas ou
honorários. Indefiro o pedido dos benefícios da assistência judiciária
gratuita. É que o autor é administrador, com diversas fontes de renda, como
as perícias judiciais que realiza, tendo inclusive empresas registradas em
seu nome.
Intimem-se.
José Moreira da
Silva Neto
Juiz Federal
Substituto
14ª Vara
Federal/PE
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